No meio do ano, o então presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto do poder por querer mudar a Constituição do país, para que pudesse concorrer a um novo mandato presidencial, contrariando as leis locais. Na época, escrevi que mesmo medidas antipáticas poderiam ser necessárias para garantir a democracia, desde que ela fosse respeitada, para que não se repetisse o que ocorreu no Brasil em 1964, por exemplo.
Pois bem: o ex-presidente hondurenho é um notório aliado do bloco liderado pelo venezuelano Hugo Chavez, e que conta com o apoio de Lula. E este, através do governo brasileiro, anda abusando do direito de se intrometer em assuntos internos de outro país. Nesta semana, Zelaya se refugiou (o governo do Brasil não usa a palavra "refugiar", por considerar que Zelaya ainda é o presidente de Honduras) na embaixada brasileira em Tegucigalpa. O atual governo, pressionando os brasileiros, cortou água e luz da embaixada, cercando-a para que Zelaya seja entregue.
Independentemente de os lados da questão estarem certos ou errados, o fato é que o caso é mais um desastre na política interna brasileira desde que Lula assumiu a Presidência da República. Nem é preciso enumerar o número de derrapadas diplomáticas de origem ideológica que o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, cometeu, fracassando redondamente em todas elas (a mais recente foi na eleição para a secretaria-geral da Unesco, em que, de olho nas relações com o mundo árabe, apoiou o polêmico egípcio Farouk Hosni, de tendências antissemitas, em detrimento de dois brasileiros que eram fortes candidatos ao cargo - a vencedora foi a búlgara Irina Bokova), assim como é desnecessário ressaltar o quanto o Brasil, embarcado num pretenso antiamericanismo, colocou-se na rabeira da ordem mundial, apoiando ditaduras (quase todas de esquerda, antiamericanas ou antissemitas) e condenando democracias.
Quase um quarto de século depois da volta de um regime democrático ao Brasil (fará 25 anos em 15 de março de 2010, com o fim do regime militar), esse mesmo regime está seriamente ameaçado. Pior: por muitas das vítimas da própria ditadura. Existe o sério risco de não haver a menor possibilidade de escapar desse trágico destino.
4 comentários:
Daniel, você acredita mesmo que a democracia está correndo risco no Brasil? Você também acha que não ocorreu um golpe em Honduras?
Infelizmente, acho que sim, por mais paranoico que isso possa parecer. Não a curto prazo, mas os precedentes entre os países vizinhos, apoiados (ainda que discretamente) pelo governo brasileiro, me fazem temer pelo pior.
Quanto a Honduras, prefiro acreditar que houve um contragolpe, impedindo que o presidente mexesse nas leis do país para, quem sabe, se eternizar no poder. Mas outros precedentes (estes de longa data, também pela América Latina) me avisam: não ponho a mão no fogo pelos atuais ocupantes do poder hondurenho. De todo modo, não deixa de ser uma história sem heróis.
Mas vamos lá, o que está havendo aqui dentro do Brasil pra que você tenha medo da democracia estar correndo risco?
Em Honduras, o Zelaya tentou fazer uma consulta pública considerada inconstitucional. Antes mesmo dessa consulta ser realizada, foi deposto. Não só o Brasil condenou, mas tb a OEA e até os Estados Unidos. Podem-se questionar os atos do Zelaya, mas nada justifica essa espécie de "golpe preventivo".
Respondendo a sua pergunta: são vários fatores. A política internacional do governo é um deles. O fato de estar lado a lado com regimes despóticos, votando a favor deles nas reuniões da ONU, é algo que nenhuma democracia deve tolerar. Nunca se sabe o que eles podem fazer por aqui.
Mas o que me faz ter mais medo é a sucessão presidencial. A candidata do governo, Dilma Rousseff, não decola nas pesquisas (embora seja cedo para afirmar alguma coisa) - por sinal, não vejo nenhum candidato à Presidência que me convença, pelo menos por ora. O precedente da emenda da reeleição (fui contra ela desde o início, e olha que eu nunca tinha votado pra presidente na época!), durante o primeiro governo FHC, poderá ser um perigo iminente, visto que muitos governistas vêm pilhando o governo para que seja votada uma emenda para um terceiro mandato - por sorte, o prazo para mudanças na Lei Eleitoral antes das próximas eleições está se esgotando (vence no início do mês que vem).
Torço para que seja apenas uma paranoia minha. Mas continuo temendo pela estabilidade do regime democrático.
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