30.10.10

Por que votarei em José Serra



Está chegando o segundo turno das eleições presidenciais e, para mim, está cada vez mais claro que é uma campanha nivelada por baixo. Isso também tinha acontecido em 2006, mas desta vez ficou além do suportável. Nenhum dos candidatos à Presidência apresentou propostas convincentes ao longo da campanha, e no primeiro turno optei por Marina Silva (PV) por falta de opção melhor. Como a candidata verde não foi para o segundo turno, pela primeira vez votarei em candidatos diferentes para o mesmo cargo executivo, nos dois turnos. Já havia deixado no ar que, em caso de segundo turno entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), meu voto iria para o candidato tucano por uma questão de coerência: a maior experiência administrativa do ex-governador paulista seria uma garantia de que o governo seria conduzido de forma mais austera, ao passo de que a ex-ministra-chefe da Casa Civil não me convence como administradora nem há garantias de que não haverá radicalização no processo democrático nos próximos quatro anos.

Mas que ninguém afirme que coloco a mão no fogo pela oposição. Como eu disse, essa foi uma campanha de baixo nível, a pior nesse quesito desde 1989. Os candidatos perderam tempo demais com questões bobas, como religião e aborto, e deixaram de se aprofundar em assuntos mais relevantes para os interesses nacionais. Ganhe quem ganhar amanhã, de todo modo, o certo é que o próximo ocupante do Palácio do Planalto terá trabalho para governar, já que certamente será visto com ceticismo pela grande maioria da população brasileira, por mais paradoxal que isso possa parecer. Mas é como se estivéssemos dentro de um avião: temos que torcer para que o piloto esteja em boas condições de fazer a máquina voar.

29.10.10

A patrulha PC ataca novamente


Já faz algum tempo que o Brasil anda de braços dados com o chamado pensamento PC (politicamente correto). Em 2005, por exemplo, o governo Lula tentou aprovar uma intragável cartilha que dizia o que deveríamos evitar falar no cotidiano para que, digamos, não feríssemos sensibilidades alheias - ao mesmo tempo em que o próprio presidente da República parecia fazer questão de transgredir as regras do próprio governo. A ideia era tão esdrúxula que, felizmente, não foi para a frente. Agora, o Conselho Nacional de Educação quer proibir que as escolas públicas indiquem o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, por considerar seu conteúdo... racista.

O caso mostra como o mundo anda uma chatice só. Antes ninguém se importava - ou mesmo percebia - quando havia anedotas sobre minorias por aí. Agora, o não-me-toquismo impera geral (eu já tinha falado sobre esse assunto aqui) - e o que é pior, ainda sob os auspícios do governo. Sabemos que o preconceito é um mal que deve sempre ser combatido, mas tem gente que exagera - ou, no popular, viaja na maionese ao dar vez a velhas paranoias racialistas. O que se pensava a respeito de certos grupos em uma época era uma coisa e o que pensa hoje é outra inteiramente distinta, mas não se pode patrulhar determinada obra clássica por ter sido escrita (seja por Monteiro Lobato ou por um escritor qualquer da esquina) em uma era diferente. Senão, não teremos como pensar por nós mesmos. Mas parece que muitos não entendem isso, ou não querem que entendam.

28.10.10

E aí, Dona Cristina vai dar conta?


A morte do ex-presidente argentino Néstor Kirchner, mais do que um acontecimento infeliz para um país vizinho, abre uma interessante discussão: como será que a viúva e atual presidente Cristina Kirchner vai se virar sem a influência do marido, que mesmo fora do poder continuava dando as cartas?

Isso de certa forma lembra o que ocorria no estado do Rio, quando a governadora Rosinha Matheus (2003-2007) foi eleita graças ao nome do marido Anthony Garotinho (1999-2002), que renunciou ao cargo para concorrer à presidência da República. Como Garotinho não foi eleito presidente e Rosinha se elegeu governadora em 2002, o consorte ficou atuando nos bastidores durante os quatro anos de mandato da esposa. O mesmo pode ocorrer no Distrito Federal, caso Weslian Roriz (esposa de Joaquim Roriz) se eleja governadora este ano. Ou seja, a laranjice conjugal, com altas cargas de populismo barato, é rotineira por estas bandas sul-americanas - a única política eleita sem ajuda do esposo foi a ex-presidente chilena Michelle Bachelet.

Resta saber o que será da Argentina no futuro, já que Néstor Kirchner (que, quando presidente, tinha altos números de popularidade e abriu mão de uma reeleição certa para lançar a própria esposa como candidata a sua sucessão, em 2007) era visto como favorito para as eleições presidenciais de 2011. Tanto pode ocorrer um fortalecimento à presidente (conhecida por brigar com a imprensa local) de modo que ela não se mostre mais tão dependente do estilo do falecido marido, quanto a oposição pode lançar um nome qualquer que seja suficiente para ganhar a próxima eleição. De todo modo, o próximo ano promete ser, digamos, bem emocionante para os argentinos...

22.10.10

Campanha de agressões e exageros



Cada vez mais convenço-me que esta é uma campanha extrema, a mais cheia de demonstrações de baixo nível desde aquele guerra entre Collor e Lula em 1989. As repetidas trocas de acusações entre os candidatos começam a desembocar para a violência, como a demonstrada contra cada um deles nesta semana - principalmente contra José Serra, atingido por um rolo de fita crepe na cabeça (embora a bolinha de papel contra ele atirada quinze minutos antes tenha tido maior destaque). Muito embora eu ache um exagero Serra ter feito exames tomográficos depois, fica evidente que militantes petistas não sabem dialogar e passar por adversários (ou "inimigos") sem provocar.

No dia seguinte, Dilma Rousseff quase foi atingida por dois balões de borracha cheios d'água. Olha, pessoal, eu sei que época de eleição é cheia de nervosismo. Mas agora a situação está demais: é chuva de dossiês, aborto, privatização, legados de um governo e de outro. Agora, é a questão sobre se um rolo de fita crepe atingiu a cabeça de Serra a ponto de feri-lo que virou o assunto do momento destas eleições. Temos que ficar calmos, antes que algo pior acabe acontecendo até o final do mês, o que não duvido nada que aconteça.

20.10.10

Nada se cria, tudo se copia



Em evidência nestas eleições, a imprensa carece de um pouco de imaginação quando se trata de fazer críticas. Vejam o exemplo ao lado: a revista Veja, simpática a José Serra, recentemente fez uma capa expondo uma contradição de Dilma Rousseff. Uma semana depois, a concorrente Istoé, mais simpática a Dilma, fez sua capa no mesmo estilo, expondo uma contradição de Serra. Não bastasse o fato expor uma rixa - que parece bem clara - entre as imprensas governista e oposicionista, evidencia que a segunda capa foi paródia da primeira, sendo que esta plagiou a primeira página do Extra de 24 de setembro passado.

Nas eleições, como na vida, nada se cria, tudo se copia.

19.10.10

Guerra de titãs... desdentados

O segundo turno das eleições presidenciais, levando-se em consideração a campanha dos candidatos Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), em que um tenta desconstruir (senão destruir) a candidatura do outro, faz lembrar as hostilidades da campanha entre Collor e Lula, em 1989. Vinte e um anos atrás, ao menos havia o pretexto de que era a primeira eleição presidencial direta depois de quase três décadas. Mas agora, a troca de farpas entre os dois finalistas já começa a beirar o ridículo.

Ignorando o princípio da laicidade do Estado brasileiro, os candidatos parecem apelar a Deus para se eleger presidente do Brasil. Parece uma competição de qual candidato consegue atrair mais fiéis das mais diferentes religiões. A questão do aborto, explorada mais do que deveria, é apenas uma das desculpas que os candidatos usam para ataques pessoais. Enquanto isso, questões importantes como desenvolvimento sustentável, direitos das minorias e o tamanho da influência estatal sobre a vida da população ficam de lado.

Mas tem mais. Como o previsto, esta eleição virou um duelo de legados políticos. Pouco importa que qual presidente teve mais importância para o país, Fernando Henrique ou Lula. Seus governos se equivalem, um complementa o outro. Não há diferenças: no curto e subestimado governo de Itamar Franco (1992-1995), recentemente eleito senador (PPS-MG), começaram a ser construídos os alicerces do país que conhecemos hoje. FHC (1995-2003) e Lula (desde 2003) completaram esse destino, cada um a sua maneira. Mas o Brasil é assim: cada um quer o seu e o resto que se dane.

15.10.10

Imagine se ela estivesse atrás...



Essa eleição presidencial brasileira anda bem estranha, para dizer o mínimo. Neste segundo turno, a candidata Dilma Rousseff (PT), primeira colocada no primeiro turno com quase metade dos votos válidos, anda atirando na candidatura de José Serra (PSDB) como se estivesse atrás nas pesquisas, quando todos os institutos indicam exatamente o contrário. Seu programa de TV vive comparando o governo Lula com o de FHC, afirmando que este foi melhor em todos os aspectos (notadamente o social) do que o do antecessor. Um desavisado que veja o programa de Dilma seria capaz de afirmar que a eleição do dia 31 se tratará da luta do Bem (ela própria) contra o Mal (os "outros") que ditará os destinos do país nos próximos quatro anos, não de uma disputa presidencial.

Não é difícil detectar os motivos da intempestiva e agressiva campanha da candidata petista neste segundo turno. Ela, provavelmente, estava levando a campanha no piloto automático no decorrer do mês passado, alentada pelos 30 pontos de vantagem sobre o segundo colocado, pela crise que acometia a candidatura tucana e, principalmente, pela possibilidade de ser eleita já no primeiro turno - muito mais por causa da alta popularidade do presidente Lula do que por seus próprios méritos. O fato de Dilma ter tido menos da metade dos votos válidos para presidente no último dia 3 (devido, entre outros fatores, ao chamado "efeito Marina", visto que a candidata verde ganhou muitos votos de indecisos nos últimos momentos) a acordou para a dura realidade, e ainda fez renascer a candidatura de Serra, que estava para baixo nas semanas anteriores à primeira eleição. Aos poucos, o eleitorado parece abrir os olhos para o programa pouco convincente de Dilma, assim como para a sua "luladependência" nesta campanha - nada garante que será diferente caso ela seja eleita e tome posse no primeiro dia do ano que vem.

Esta é a sexta eleição presidencial pós-redemocratização. Das cinco anteriormente realizadas, três delas também foram decididas no segundo turno. Em todas elas (1989, 2002 e 2006), o primeiro colocado no primeiro turno (Collor na primeira e Lula nas demais) foi eleito presidente. A possibilidade de algo inédito acontecer neste ano existe, já que nota-se que Serra está em tendência de subida, ao mesmo tempo em que Dilma parece cair. Isso explica a agressividade petista (lembrando os velhos tempos em que o PT ainda era oposição) numa eleição em que antes navegava em velocidade de cruzeiro, rumo a uma consagradora vitória que parecia líquida e certa. Mas pode muito bem resultar num histórico naufrágio eleitoral.

14.10.10

Verdades inconvenientes


  • Filme: Tropa de Elite 2 (Brasil, 2010)
  • Direção: José Padilha
  • Elenco: Wagner Moura, Maria Ribeiro, Irandhir Santos, André Ramiro, Sandro Rocha, Milhem Cortaz, Tainá Müller, Emílio Orciollo Neto, Seu Jorge, Pedro van Held

A continuação de uma das maiores pedradas do cinema nacional consegue o que parecia impossível: ser superior ao seu antecessor, que já era um filmaço. Se o primeiro escancarava a ligação de policiais com o crime e a luta de um comandante para combater esse estado de coisas, o segundo vai ainda mais longe e joga tudo de uma vez numa turbina aérea.

Desta vez, o agora coronel Nascimento ocupa a subsecretaria de Segurança do estado e segue lutando contra o famigerado "sistema", que mantém uma aliança do que deveria ser a lei com a criminalidade. O problema é que ele demora a perceber que um novo estilo de organização criminal vinha crescendo na Zona Oeste da cidade e era visto como redentor por muitos - mas era tão prejudicial à segurança dos cidadãos quanto o por ela combatido. Quando Nascimento descobre (de uma maneira não muito correta, por sinal), tem que dar o máximo para que não tenha sido tarde demais...

Os méritos do filme residem, mais uma vez, em mostrar as entranhas da corrupção e da prevaricação de uma forma nunca antes vista numa produção cinematográfica brasileira. Está tudo ali: secretários que se aliam a "justiceiros" para se dar bem, governantes omissos ou mal intencionados, políticos populistas e policiais corruptos. Algo que vemos todos os dias na vida real. Só faltava cada um desses fatos estar presente numa obra de ficção, de maneira contundente. Agora, não falta mais.

9.10.10

E se a eleição presidencial brasileira seguisse o modelo americano? (Parte 2)

Para os leitores mais antigos deste blog: lembram daquele texto que especulava sobre como seriam as eleições presidenciais brasileiras se elas seguissem o modelo que é seguido nos Estados Unidos, ou seja, de maneira indireta? Acabei de fazer uma contagem dos votos que cada unidade federativa (os 26 estados e o Distrito Federal) levaria para cada candidato (assim como lá, a soma dos deputados federais que cada um tem mais os três senadores).

Dessa forma, a candidata Dilma Rousseff (PT) seria eleita, já que foi a mais votada nos estados de Alagoas (12 delegados), Amapá (11), Amazonas (11), Bahia (42), Ceará (25), Espírito Santo (13), Goiás (20), Maranhão (21), Minas Gerais (56), Pará (20), Paraíba (15), Pernambuco (28), Piauí (13), Rio de Janeiro (49), Rio Grande do Norte (11), Rio Grande do Sul (34), Sergipe (11) e Tocantins (11), totalizando 403 votos num hipotético Colégio Eleitoral brasileiro.

José Serra (PSDB) foi o mais votado nos estados do Acre (11), Mato Grosso (11), Mato Grosso do Sul (11), Paraná (33), Rondônia (11), Roraima (11), Santa Catarina (19) e São Paulo (73), obtendo 180 votos no total. Já Marina Silva (PV) foi a mais votada no Distrito Federal, conquistando 11 votos.

Mas a votação é direta e ainda dá tempo de o tucano virar. Pesquisa do Datafolha divulgada neste fim de semana dá oito pontos de vantagem para a petista, 48 a 41 (em votos válidos, Dilma tem 54% das intenções, contra 46% de Serra). Mas ainda tem muita água para passar debaixo da ponte.

8.10.10

Megalomaníaco, porém honesto


  • Filme: Nosso Lar (Brasil, 2010)
  • Direção: Wagner de Assis
  • Elenco: Renato Prieto, Fernando Alves Pinto, Rosane Mulholland, Inez Viana, Rodrigo dos Santos, Werner Schünemann, Clemente Viscaíno, Othon Bastos, Ana Rosa, Chica Xavier, Nicola Siri

A maior bilheteria do cinema nacional na temporada (mais de 3,5 milhões de espectadores nas salas de todo o país) e mais caro filme brasileiro de todos os tempos (custou mais de R$ 20 milhões, com apenas uma pequena parte de dinheiro público, arrecadando até o momento cerca de R$ 31,5 milhões) pode ser um espetáculo de megalomania, como a projeção deixa bem claro - mas pelo menos é honesto em sua intenção de levar às telas a obra psicografada por Chico Xavier. Colabora para isso a atuação do protagonista, experiente ator de peças teatrais de temática espírita.

A história do médico que sofre as consequências de uma vida de excessos e de falta de cuidado com ele próprio, tendo que prestar contas com sua consciência após sua morte, peca um pouco pela superficialidade do roteiro. Sente-se que o filme ficou reduzido demais, apesar de ser bem claro em sua intenção - ficou com cara de "a seguir, cenas do próximo capítulo" em várias passagens. Mas não há que se negar que o filme tem uma qualidade técnica impressionante, muito acima do nível presente do cinema nacional. Pelos lucros que a produção vem tendo, nota-se que o investimento valeu a pena.

6.10.10

Quem disse que mulher-fruta não dá voto?



No Distrito Federal, algo que parecia inimaginável aconteceu: Weslian Roriz (PSC), sem experiência política nenhuma e que só está lá para substituir o marido Joaquim Roriz (que desistiu de se candidatar por estar sendo julgado com base na Lei da Ficha Limpa), está no segundo turno na eleição para o governo distrital contra Agnelo Queiroz (PT). Mesmo tendo desempenhos desastrosos em dois debates televisivos, a neocandidata conseguiu 440.128 votos (31,5% dos votos válidos) - o petista teve 676.394 (48,41%).

Mesmo com a confusão causada pela urna eletrônica (que tinha a foto de Joaquim Roriz e apenas o seu sobrenome, pois ele desistiu quando o sistema já estava pronto), nada justifica o fato de Weslian estar no segundo turno. Mesmo porque dá a impressão de que está sacramentada a laranjização da política brasileira: o voto em um determinado candidato mesmo sabendo que este não passa de mero fantoche de outro mais conhecido. Fica a impressão de que o eleitorado aceita políticos sem personalidade em nome de um pensamento paternalista.

Pelo menos o fato dá margem ao já extenso anedotário político nacional. A Mulher Melão não conseguiu se eleger deputada estadual no Rio de Janeiro. A Mulher Pera não conseguiu a eleição para deputada federal por São Paulo. Mas a Mulher Laranja ainda tem chances de se eleger governadora do Distrito Federal...

5.10.10

Acredite: o futuro está no Rio



Apesar de novamente não ter votado nele, demonstro certa simpatia pela reeleição de Sérgio Cabral Filho como governador do estado do Rio de Janeiro. Isso porque ele parece ter mostrado a capacidade de governar o estado por suas próprias convicções, ao contrário do que ocorre no governo federal - ainda por cima, com um mandato que, de certa forma, demonstra mais eficiência que o comum, um alento para uma população que sofreu durante décadas com populismos desenfreados de figuras como Chagas Freitas, Brizola, Moreira, Garotinho, Rosinha...

Todavia, ainda tenho restrições quanto ao governador reeleito, como a subserviência ao presidente Lula. Tenho a certeza de que Cabral seria mais eficiente se tivesse uma voz mais ativa nas relações com o poder federal. Mas o fato dele ser do PMDB pode ser um ganho, por incrível que pareça: ainda que o governador demonstre apoio à candidatura da petista Dilma Rousseff no segundo turno, os laços de amizade que Cabral mantém com o tucano José Serra acabam abrindo portas para o estado. Seja quem for eleito no dia 31, o Rio apenas terá a ganhar: as muitas oportunidades que o estado ganhará nos anos 2010, como as mais importantes competições esportivas e a revitalização de pontos estratégicos de suas cidades mais importantes, representarão uma grande oportunidade de o atual ocupante do Palácio Guanabara fazer história.

4.10.10

O grande duelo político brasileiro começa agora

O segundo turno das eleições presidenciais brasileiras, entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), pode ser entendido como um sinal de que parte do eleitorado brasileiro dá importância à experiência administrativa de cada candidato, enquanto outra parte está agradecida pelas conquistas sociais do governo Lula - tanto que deu ao atual governo grande parte do Congresso Nacional. Ou seja, Dilma certamente contará com a maioria caso eleita, enquanto Serra terá que negociar - se bem que, no caso do PMDB, isso não deverá ser muito difícil. A tendência, apesar da boa vantagem da candidata da situação, é de forte equilíbrio, visto que a candidatura de Marina Silva (PV) cresceu muito na reta final e, com isso, a candidata verde passa a ter seu apoio cobiçado pelos dois finalistas, pois ele pode ser decisivo.

Muitos estados corroboraram o atual governo, como Pernambuco (que reelegeu, com larga margem de votos, o governador Eduardo Campos, do PSB, com 82,84%, e ainda elegeu dois senadores governistas: Armando Monteiro, do PTB, e Humberto Costa, do PT, desbancando Marco Maciel, do DEM) e Bahia (o mesmo em relação a Jaques Wagner, do PT, que teve 63,83%, ajudando a eleger senadores Walter Pinheiro, também do PT, e Lídice da Mata, do PSB).

Mas os dois maiores colégios eleitorais do país reafirmaram suas opiniões, na contramão do governo federal. Em São Paulo, Geraldo Alckmin foi eleito governador pela segunda vez, com pouco mais da metade dos votos válidos (50,63%), recuperando-se de fracassos eleitorais recentes; além disso, o também tucano Aloysio Nunes surpreendeu gratamente na corrida pelo Senado, obtendo o maior número de votos, desbancando o então favorito Netinho de Paula, do PCdoB (a outra senadora eleita, de forma até esperada, é a petista Marta Suplicy; aliás, são prometidas fortes emoções no Senado Federal a partir do ano que vem, já que um dos colegas de Marta é seu ex-marido Eduardo Suplicy). Em Minas Gerais, graças a um crescimento avassalador, o governador Antônio Anastasia, também do PSDB, foi reeleito também no primeiro turno, com 62,72% (com forte apoio do correligionário Aécio Neves, eleito senador e que faz um nome forte para 2014, caso Dilma confirme o favoritismo na eleição presidencial; o outro senador eleito é o ex-presidente Itamar Franco, do PPS).

Além disso, vários outros estados elegeram governadores de oposição no primeiro turno, como Paraná (Beto Richa, do PSDB, com 52,44%, apesar de os senadores eleitos serem de partidos governistas: Gleisi Hoffmann, do PT, e Roberto Requião, do PMDB), Rio Grande do Norte (Rosalba Ciarlini, do DEM, com 52,46%; o estado reelegeu como senadores Garibaldi Alves Filho, do PMDB, e José Agripino, também do DEM) e Santa Catarina (o senador Raimundo Colombo, do DEM, foi eleito com 52,72%; outro estado em que a oposição fez barba, cabelo e bigode, elegendo os senadores Luiz Henrique da Silveira, do PMDB, e Paulo Bauer, do PSDB).

No estado do Rio, foi a vez da afirmação do governo. O governador Sérgio Cabral Filho (PMDB), como era de se esperar, foi reeleito com folga no primeiro turno, com 66,08% dos votos válidos (batendo os 61% da vitória de Leonel Brizola em 1990), tornando-se o primeiro governador reeleito da história do estado (também tinha se tornado o primeiro governador fluminense a tentar a reeleição). Além disso, Lindberg Farias (PT), ex-prefeito de Nova Iguaçu, se elegeu senador, com outro governista (Marcelo Crivella, do PRB) sendo reeleito para o cargo, numa disputa empolgante com outro pró-Lula, Jorge Picciani (PMDB). O destaque negativo foi a pífia votação dada ao ex-prefeito do Rio, Cesar Maia (DEM), evidenciando a má fase de seu partido no estado - o Democratas elegeu apenas dois deputados federais (Arolde de Oliveira e o presidente nacional do partido, Rodrigo Maia) e uma deputada estadual (Graça Pereira).

No Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT) foi eleito com 54,35%; no Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB) se consagrou com 82,30%. Ou seja: pela primeira vez, todos os estados das regiões Sul e Sudeste elegeram seus governadores no primeiro turno.

Nos próximos dias, mais comentários sobre as eleições de 2010.

2.10.10

Declaração de voto

Pois bem: não sou muito de expor minhas intimidades rede mundial de computadores afora, pois adoto um estilo discreto. Mas neste caso abrirei uma exceção, mesmo porque é preciso ser franco num momento decisivo como esse. É necessário haver quem defenda suas convicções, e ter o direito de fazer isso. Refiro-me às escolhas que farei na urna eletrônica, neste domingo. Uma oportunidade de exercer o dever democrático, que deveria ser no máximo um direito. De todo modo, apesar de o modelo lulista, alimentado por bolsas-qualquer-coisa e quejandos, praticamente ser consagrado nas urnas, aqui estão os votos que darei na eleição de 3 de outubro, seguidos pelos motivos:

  • Deputado estadual: Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB, 45678) - O deputado estadual e ex-vice-governador Luiz Paulo tem experiência no ramo de transportes (é defensor da transformação dos trens em metrô de superfície) e defende a diminuição da carga tributária. Além disso, é notório fiscalizador dos gastos do Poder Executivo do estado. Está em seu segundo mandato seguido e é atuante na Assembleia Legislativa.
  • Deputado federal: Otávio Leite (PSDB, 4555) - O ex-vice-prefeito do Rio é dos mais atuantes deputados fluminenses na Câmara. Também defende a redução da carga tributária, e quer que a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 resultem em benefícios para o turismo no Rio, melhorando a estrutura aeroportuária da cidade.
  • Senadores: Cesar Maia (DEM, 251) e Marcelo Cerqueira (PPS, 233) - Sim, o terceiro mandato de Maia como prefeito do Rio foi ruim, todos sabemos disso. Mesmo assim, vejo nele mais prós do que contras na hora de votar para senador. Creio que, se ele for eleito, defenderá mais o estado do que Crivella ou Lindberg certamente defenderão um eventual governo Dilma, por mais prejudicial que isso seja para os interesses fluminenses. Já o voto em Cerqueira é mais como um protesto, pois não gosto de anular votos e esta disputa para senador pelo Rio, convenhamos, é bem fraquinha.
  • Governador: Fernando Gabeira (PV, 43) - É certo que Sérgio Cabral Filho será reeleito já neste domingo. Mas sua exagerada subserviência ao presidente Lula, desde sempre, me faz ficar com um pé atrás com ele, por mais que tenha sido um bom governador, o melhor desde a fusão - se bem que isso não era tão difícil de acontecer, visto que entre seus antecessores estavam Brizola, Marcello Alencar e o casal Garotinho. Por isso, decidi votar em Gabeira, por simbolizar a ética na política e pelas propostas mais convincentes e realistas, por menos chances de segundo turno que haja nesta eleição.
  • Presidente: Marina Silva (PV, 43) - Na boa? Não ando aguentando mais essa pseudobipolaridade toda entre PT e PSDB. Nenhum dos programas de Dilma e Serra me convence! Eu já tinha vontade de votar em um candidato nanico qualquer (tipo Eymael ou Levy Fidélix) só pra aumentar um pouco a possibilidade de segundo turno - como eu disse, anular o voto nem pensar. Mas decidi pela candidata do Partido Verde - mesmo discordando de muitas coisas do que ela diz, como a ênfase no tema ecológico, só pra dar um exemplo - pra dar aquele impacto no processo eleitoral. Esquerda por esquerda, que pelo menos assuma a Presidência uma esquerda coerente, não radical e que pensa um pouquinho a mais que o normal.

1.10.10

2006: O medo venceu a razão... e a omissão

As eleições de 2006 poderiam ter começado a ser decididas em 2005, quando o então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou um esquema de corrupção dentro do governo Lula. O chamado mensalão consistia em pagamento mensal a deputados para votar a favor dos interesses do governo. Vários integrantes do governo federal caíram (como o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, braço direito de Lula e muito cotado na época como seu sucessor), dissidentes do PT formaram um novo partido (o PSOL)... Apenas a oposição não parece ter aproveitado o embalo. O preço seria pago no ano seguinte.

Oito candidatos à Presidência entraram em campanha, entre eles o presidente Lula, que tentava a reeleição - o PT contava com o apoio do recém-fundado PRB (partido do vice José Alencar e pertencente à Igreja Universal) e do PCdoB (o único partido, além do próprio PT, a apoiar Lula em todas as eleições presidenciais). Seus principais adversários eram o ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB/PFL), a senadora alagoana Heloísa Helena (do PSOL, que conseguiu com que o radical PSTU participasse de uma coligação pela primeira vez em sua história; além disso, contou com o apoio do PCB, o que fez com que houvesse pela única vez até hoje uma frente ultraesquerdista numa eleição presidencial) e o senador brasiliense Cristóvam Buarque (PDT).

Entre os nanicos, a curiosidade estava com a candidata do PRP, Ana Maria Rangel: o TSE aprovou sua candidatura, mas ela se lançou candidata... contra a vontade do próprio partido! Depois, houve acusações de parte a parte: o partido pediu a exclusão da candidatura e chegou a ameaçar expulsá-la do partido, enquanto a candidata acusou o presidente do partido de pedir dinheiro a ela para que se candidatasse. Seu programa entrou no ar quando a campanha estava quase no meio e limitou-se a apresentar a candidata e sua família. Mesmo assim, Ana Maria Rangel conseguiu um surpreendente quinto lugar, com 126.404 votos (0,13%), mais do que José Maria Eymael (PSDC) e Luciano Bivar (PSL) juntos. O outro candidato, Rui Costa Pimenta (PCO), foi punido pelo TSE com a anulação de todos os votos a ele dados por irregularidades na prestação de contas na eleição anterior.

À medida em que a campanha avançava, ficava claro que o carisma de Lula era mais forte do que quaisquer escândalos que atingissem seu governo. Não importa o tamanho do problema: o presidente sempre tem um eleitorado cativo. Talvez seja creditado à ausência de Lula dos debates da TV e ao escândalo dos dossiês antitucanos o fato de ter havido segundo turno: o presidente conseguiu na primeira votação 46.662.365 votos (48,61% dos votos válidos), enquanto Alckmin teve 39.968.369 votos (41,64%). Heloísa Helena teve 6.575.393 (6,85%), e Buarque, 2.538.844 (2,64%).

O segundo turno foi, digamos, desigual: um governo que impôs o medo de que os adversários privatizassem as estatais caso eleitos, com uma oposição que parecia envergonhada com as conquistas do mandato anterior, aceitava o jogo da situação e praticamente entregou a eleição de mão beijada ao governo. O ápice foi a imagem de Alckmin quase fantasiado de garoto-propaganda do Banco do Brasil. Claro que não poderia mesmo ter dado certo: o ex-governador de São Paulo conseguiu menos votos no segundo turno que no primeiro (37.543.178, 39,17% dos votos válidos). Lula acabou reeleito com 58.295.042 votos (60,83%).

No estado do Rio, onze candidatos a governador tentaram o Palácio Guanabara. Desgastada com um governo muito criticado (talvez o pior desde a fusão de 1975), Rosinha Matheus decidiu não tentar a reeleição. Assim, lembrando a eleição presidencial de 1989, todos os candidatos se declararam oposição - inclusive o do próprio partido (PMDB), o senador Sérgio Cabral Filho (apoiado por PP, PTB e várias pequenas agremiações). Entre os principais adversários do favorito candidato, estavam o senador Marcelo Crivella (PRB), o veterano político (e rejeitado pelo próprio partido, que decidiu apoiar Garotinho, em 1998) Vladimir Palmeira (PT), o deputado federal (e então crítico de Lula) Eduardo Paes (PSDB), o futuro ministro (e presidente nacional de seu partido na época) Carlos Lupi (PDT) e o jornalista Milton Temer (PSOL, que repetiu a coligação nacional com PSTU e PCB). Mas uma surpresa cresceu na reta final e chegou ao segundo turno: a juíza e deputada federal Denise Frossard (PPS, apoiada por PFL e PV), cotada para se candidatar a prefeita do Rio dois anos antes e rejeitada pelo seu partido na época, o PSDB, que preferiu apoiar a reeleição de Cesar Maia (PFL). Frossard acabou em segundo lugar com 1.965.003 votos (23,8%), enquanto Cabral foi o primeiro colocado com 3.422.528 votos (41,4%). No Senado, Francisco Dornelles (PP), da coligação de Cabral, foi eleito, derrotando a favorita Jandira Feghali (PCdoB).

Começou a campanha do segundo turno e também a formação daquilo que conhecemos na política fluminense nos dias de hoje. Primeiramente, Cabral (que até então estava neutro na eleição presidencial) declarou seu apoio a Lula no segundo turno. Depois, o tucano Eduardo Paes, contrariando recomendação do seu partido na época (que apoiou Frossard), declarou apoio a Cabral, dizendo recusar-se a apoiar uma candidata apoiada pelo PFL, partido de seu ex-aliado e desafeto Cesar Maia. Isso tudo, combinado a uma declaração infeliz da candidata Frossard, de que votaria nulo na eleição presidencial depois de ver Alckmin (apoiado informalmente pelo PPS) recebendo o apoio de Anthony Garotinho e família, foi fatal para as pretensões da juíza. No segundo turno, Cabral foi eleito com 5.129.064 votos (68%), enquanto Frossard conseguiu 2.413.546 (32%).