28.2.11

E eis que adentra a avenida o Bloco dos Politicamente Corretos



Em bem humorada ironia a uma recomendação da prefeitura do Rio em retirar o palavrão do seu nome (substituindo-o por um "M*"), o bloco carnavalesco carioca Que Merda É Essa? decidiu levar para o Carnaval deste ano um protesto contra o insuportavelmente crescente pensamento politicamente correto. Para isso, elegeu como pano de fundo a desnecessária polêmica acerca do quase veto do Ministério da Educação ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, acusado de racismo (assunto sobre o qual escrevi aqui). A camiseta, desenhada por Ziraldo, mostra o maior autor brasileiro de livros infantis abraçado a uma mulata, e acompanhado de um cravo, uma rosa e um gato com um pedaço de pau em uma das patas - em comum, o fato de todas as figuras serem vítimas de um pensamento revisionista que, convenhamos, nem deveria ser levado em consideração. Mas eles teimam em querer ser os únicos certos na conversa toda.

Um longo texto na Internet condena Ziraldo pelo simples fato de ter desenhado a tal camiseta (sua autora deve ter ficado calada quando o desenhista começou a se beneficiar da famigerada Bolsa-Ditadura, mas isso não vem ao caso) e desanca Monteiro Lobato, acusando-o de racista e eugenista. Além disso, membros de uma organização em defesa da população negra protestaram contra a apresentação do bloco no Carnaval, durante seu ensaio. Que ninguém duvide, pelo andar da carruagem, que resolvam querer proibir até o próprio Carnaval no futuro.

Todos sabemos que o Carnaval é uma festa politicamente incorreta por sua própria natureza. Só que muitas pessoas desprovidas de qualquer senso de humor acham desrespeito em tudo. Alguém imaginou se, em Carnavais de décadas passadas, os árabes e muçulmanos decidissem reclamar daquelas marchinhas reclamando do calor e clamando "Alá, meu bom Alá"?

(Isso sem falar dos mais radicais - basta vermos o caso daquelas charges dinamarquesas, de cinco anos atrás...)

De lá pra cá, porém, seu maior símbolo - o desfile das escolas de samba - anda abandonando os desfiles irreverentes, grande marca dos anos 80, por exemplo, substituindo-os por enredos de exaltação, geralmente a cidades (quando não simplesmente chapa-branca), e ecologicamente corretos. Salvo raras exceções, os desfiles se tornaram monótonos, mecânicos e obedientes a uma fórmula desgastada, ainda que relativamente nova. Portanto, o último bastião de irreverência no Carnaval está nos blocos. Mas parece que até nisso estão dispostos a mexer. Quem perde com isso são a alegria e a espontaneidade, tão características desta época do ano.

26.2.11

Uma ajudinha decisiva



  • Filme: O Discurso do Rei (The King's Speech, Austrália/Estados Unidos/Grã-Bretanha, 2010)
  • Direção: Tom Hooper
  • Elenco: Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Guy Pearce, Michael Gambon, Eve Best, Anthony Andrews

Um dos favoritos ao Oscar de melhor filme (e, com outras onze indicações, recordista neste ano) é uma saga de superação, acima de tudo. Conta como alguém de que ninguém esperava nada acaba se tornando um herói, graças à ajuda providencial de alguém que só foi descobrir sua real aptidão no meio do caminho.

Nos anos 30, um príncipe britânico, discreto, tímido e portador de gagueira, ascende ao trono graças à renúncia do irmão, que se casou com uma norte-americana divorciada duas vezes. Mesmo relutante, o rei Jorge VI tem que assumir as responsabilidades do cargo, ao mesmo tempo em que seu país começa a entrar em conflito com a Alemanha nazista, tendo que levantar a moral de sua população através das transmissões por rádio. Com a ajuda da esposa, procura um terapeuta australiano que acaba tendo uma importância ainda maior do que se poderia imaginar.

A produção ressalta a formação de uma sólida amizade entre um nobre e um plebeu, ainda que com alguns percalços no caminho. E diz que nunca é impossível superar as dificuldades, por piores e mais desafiadoras que elas sejam. Algo que deveríamos levar, naturalmente, por toda a vida.

24.2.11

O silêncio dos "progressistas"



Mais uma vez, um ditador está a perigo - no caso, o líbio Muammar Kadafi, que está no poder desde 1969, sendo o líder de um país há mais tempo no cargo (apesar de sua ditadura não ser a mais longa do mundo no momento - esta marca pertence à ditadura cubana dos Castro, no poder há 52 anos). Há relatos de que, na ânsia de continuar no poder, Kadafi tenha mandado bombardear quem protestasse contra seus desmandos. Algo que muitos ditadores pró-americanos fizeram com seus povos em tempos idos - mas que não vem tendo a mesma repercussão por parte dos "progressistas" que pululam por aí. Não é difícil saber o porquê.

Todos sabemos que, salvo raríssimas exceções, esquerdistas têm como mote "Aos amigos, tudo; aos inimigos, a força da Lei". Não importa que Mao Tsé-Tung tenha matado milhões de chineses em nome da Revolução Cultural, ou que Josef Stalin tenha praticado genocídio via fome na Ucrânia, ou que os Castro mandem cubanos pro paredão. Se é aliado dos americanos, que se dane sempre. Vide o caso do ex-ditador Hosni Mubarak no Egito. Quando ele renunciou graças à mobilização popular que ocupou durante dias a Praça Tahrir, no Cairo, o pessoal só faltou ter orgasmos. Isso é compreensível, para quem gosta da democracia plena. O que, definitivamente, não é o caso deles, que silenciam frente às atitudes de Kadafi para permanecer no poder.

É essa a diferença entre os que prezam a democracia e os que dizem ser mais justos: estes têm ditadores de estimação, aqueles não. Pinochet, Videla, Stroessner, Médici combateram comunistas e nem por isso têm a admiração dos democratas de verdade. O que não é seguido por muitos esquerdistas, que costumam idolatrar Castro, Mao, Stalin, Khomeini, entre outros também nunca votados ("menos votados" seria uma piada pronta, convenhamos). Não é exagero nenhum dizer que há uma superioridade moral daqueles nesse assunto. O que deveria, inclusive, ser mais comentado por aí.

21.2.11

Uma hora, o pessoal teria que se cansar



Como não poderia ser diferente, a onda de insurreições antiditatoriais no mundo árabe (que derrubou os líderes de Tunísia e Egito, e causa distúrbios na monarquia do Barein) chegou à Líbia, governada há 42 anos por Muammar Kadafi (o ditador há mais tempo no poder em todo o mundo, no momento). Queridinho das esquerdas há tempos por sua oposição aos Estados Unidos, o ditador líbio começa a balançar diante da onda de manifestações que tomaram Benghazi, a segunda maior cidade do país, e acabaram de chegar à capital Trípoli.

Essa onda de manifestações evidencia uma coisa: um dia, as populações de países cujos governos são ditatoriais há décadas acabam se cansando de tanta opressão. Há mais de vinte anos, os europeus demonstraram isso, com as quedas dos regimes comunistas que eram satélites da antiga União Soviética (que seria extinta em 1991). A Europa Oriental era um bloco de ditaduras até fins dos anos 80, quando uma série de fatores surgidos de movimentos populares democráticos desencadeou um efeito dominó, com seu auge na queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Sonhava-se que, um dia, isso pudesse chegar ao mundo árabe-muçulmano, também coalhado de ditaduras, tanto favoráveis quanto contrárias a relações diplomáticas com o Ocidente. Ao que parece, esse momento chegou.

Pelo menos por enquanto, a religião islâmica não está sendo um fator preponderante nessas manifestações - e é bom que assim permaneça. Nunca dá certo misturar ideologia política com religião, ainda mais num mundo explosivo como o muçulmano - basta vermos o Irã hoje, em que a falta de democracia é a expressão de ordem. Quanto houver menos intervenções de ordem clerical, melhor para a democracia; os manifestantes, por ora, parecem ter percebido isso.

11.2.11

O limite entre o perfeccionismo e a loucura


  • Filme: Cisne Negro (Black Swan, Estados Unidos, 2010)
  • Direção: Darren Aronofsky
  • Elenco: Natalie Portman, Mila Kunis, Vincent Cassel, Barbara Hershey, Winona Ryder, Ksenia Solo

O filme, com cinco indicações ao Oscar (melhor filme, direção para Aronofsky, atriz para Portman, montagem e fotografia), não é um "filme de balé" como a sinopse pode fazer crer. É, sim, um demonstrativo de como a mania de perfeição e a tendência à loucura podem andar de mãos dadas, bastando um simples pretexto para que tudo exploda de uma vez só.

A história da bailarina Nina Sayers, que consegue o cobiçado papel principal do espetáculo O Lago dos Cisnes e treina à exaustão enquanto tem que encarar seus próprios demônios sem ter cabeça suficiente para isso, é impactante por mostrar com alguém tão marcado pela doçura (um típico Cisne Branco do espetáculo de Tchaikovsky) abre mão dessa condição para se transformar num monstro (o tal Cisne Negro também presente no título). Contribuem para isso três personagens da história: a mãe superprotetora e controladora (ela própria uma ex-bailarina não tão bem sucedida quanto a filha), o diretor (com fama de garanhão e que busca que ela "entre" no personagem mais sedutor) e a colega da companhia de balé (que impressiona pela técnica e pela competição que impõe), que libertam o Cisne Negro existente dentro de Sayers. E isso é feito com propriedade e de forma visceral.

2.2.11

Resta saber no que isso vai dar


Antes de mais nada, gostaria de pedir desculpas pela falta de atualização deste blog. É que a ocupação do trabalho, somada à absoluta lerdeza do computador de casa (sim, ele está de volta, mas ainda irritantemente lento), impedem que eu comente os fatos do mundo mais constantemente. Só agora consegui tempo para falar sobre a crise política presente no mundo árabe, mais exatamente no Egito. Consequência direta da derrubada do governo na Tunísia, que durava 23 anos. Hosni Mubarak, o líder egípcio, está no poder há 30 anos (desde o assassinato do então presidente Anwar Sadat) e anunciou que não concorrerá à reeleição este ano.

Como sabemos, ditaduras não são boas em hipótese alguma. Ainda mais as que duram décadas. Por isso é salutar a necessidade de democracia no mundo árabe, tão repleto delas. Porém, é preciso tomar cuidado com a tendência da região de apenas trocar uma ditadura por outra. Países de maioria muçulmana não são exatamente conhecidos por suas histórias democráticas, como sabemos. Mesmo os mais democráticos, como Líbano e Turquia, dão suas escorregadas de vez em muito. Por esses motivos, é necessário tomar cuidado, mesmo com os justos anseios por democracia demonstrados pela população egípcia.

Grande parte do mundo árabe aderiu e faz protestos contra seus respectivos governos em vários outros países, como Iêmen e Jordânia. O que faz a nós, brasileiros, sentir uma certa inveja deles. Ontem mesmo, José Sarney (PMDB-AP) foi mais uma vez eleito presidente do Senado, mesmo depois dos atos secretos jamais terem sido esclarecidos. Tivesse a população brasileira um centésimo do amor-próprio que os egípcios demonstram, as coisas seriam bem diferentes por aqui. Algo parecido com o que ocorreu em 1992, por exemplo. Mas isso não anda interessando muito à UNE no momento.