Em bem humorada ironia a uma recomendação da prefeitura do Rio em retirar o palavrão do seu nome (substituindo-o por um "M*"), o bloco carnavalesco carioca Que Merda É Essa? decidiu levar para o Carnaval deste ano um protesto contra o insuportavelmente crescente pensamento politicamente correto. Para isso, elegeu como pano de fundo a desnecessária polêmica acerca do quase veto do Ministério da Educação ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, acusado de racismo (assunto sobre o qual escrevi aqui). A camiseta, desenhada por Ziraldo, mostra o maior autor brasileiro de livros infantis abraçado a uma mulata, e acompanhado de um cravo, uma rosa e um gato com um pedaço de pau em uma das patas - em comum, o fato de todas as figuras serem vítimas de um pensamento revisionista que, convenhamos, nem deveria ser levado em consideração. Mas eles teimam em querer ser os únicos certos na conversa toda.
Um longo texto na Internet condena Ziraldo pelo simples fato de ter desenhado a tal camiseta (sua autora deve ter ficado calada quando o desenhista começou a se beneficiar da famigerada Bolsa-Ditadura, mas isso não vem ao caso) e desanca Monteiro Lobato, acusando-o de racista e eugenista. Além disso, membros de uma organização em defesa da população negra protestaram contra a apresentação do bloco no Carnaval, durante seu ensaio. Que ninguém duvide, pelo andar da carruagem, que resolvam querer proibir até o próprio Carnaval no futuro.
Todos sabemos que o Carnaval é uma festa politicamente incorreta por sua própria natureza. Só que muitas pessoas desprovidas de qualquer senso de humor acham desrespeito em tudo. Alguém imaginou se, em Carnavais de décadas passadas, os árabes e muçulmanos decidissem reclamar daquelas marchinhas reclamando do calor e clamando "Alá, meu bom Alá"?
(Isso sem falar dos mais radicais - basta vermos o caso daquelas charges dinamarquesas, de cinco anos atrás...)
De lá pra cá, porém, seu maior símbolo - o desfile das escolas de samba - anda abandonando os desfiles irreverentes, grande marca dos anos 80, por exemplo, substituindo-os por enredos de exaltação, geralmente a cidades (quando não simplesmente chapa-branca), e ecologicamente corretos. Salvo raras exceções, os desfiles se tornaram monótonos, mecânicos e obedientes a uma fórmula desgastada, ainda que relativamente nova. Portanto, o último bastião de irreverência no Carnaval está nos blocos. Mas parece que até nisso estão dispostos a mexer. Quem perde com isso são a alegria e a espontaneidade, tão características desta época do ano.
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